As três faces do métodoNas edições anteriores do Guia de Teatro, discutimos as origens do “Método” bem como sua trajetória e desenvolvimento ao longo das décadas. Percebemos também que não basta “conhecer” Stanislavski para estar apto a empregar o famoso “sistema”, visto que um estudo profundo é necessário para compreender e colocar em prática as ferramentas expostas pelo mestre russo. Além disso, constantemente esbarramos em três nomes apontados como os grandes “pilares” do desenvolvimento do “Método”: Stella Adler, Sanford Meisner e Lee Strasberg. Cada um defendia uma visão particular do sistema, uma maneira única de interpretá-lo e colocá-lo em prática dando origem à três grandes “correntes” de atuação metódica que por muito tempo disputaram o trono no universo dramático e cênico norte-americano bem como em parte do universo cênico europeu. Hoje em dia, essas três vertentes do sistema (que somente chegaram ao Brasil oficialmente em 2009, com quase 60 anos de atraso!) convivem de forma pacífica e até mesmo complementar, mas já houve época em que adeptos da chamada “técnica Adler” torciam seus narizes para os estudantes de Strasberg e vice-versa.
Mas o que são exatamente essas três visões diferentes do “Método”?
O que as define e diferencia? Tentarei esclarecer e apontar nos próximos artigos pelo menos os pontos técnicos cruciais que marcam essas dissidências, porém, evidentemente, para um estudo aprofundado desses tópicos, recomendo que o leitor busque uma instituição séria com professores respaldados e gabaritados no “Método”.
A primeira vertente abordada será a de Stella Adler, já que essa corrente é tida por muitos como a mais fiel interpretação do consagrado sistema (visto que a lendária atriz e professora norte americana teve o raro privilégio de estudar particularmente com Stanislavski em Paris). O contato de Adler com o diretor russo resultou na primeira “decodificação” do “Método” através de uma complexa tabela em formato de órgão. Para os interessados, uma cópia da tabela original pode ser vista na sede do Actor Studio SP Brasil (a tabela já foi traduzida anteriormente para o português, porém, como infelizmente contém equívocos grosseiros na tradução que podem confundir alunos e professores, sugerimos sempre que a original seja consultada). Essa tabela, elaborada em 1934 (antes, portanto, da publicação das obras chave de Stanislavski), organiza o sistema em dezenas de tópicos, cada um representando todo um universo de ferramentas, práticas e conceitos que devem ser trabalhados pelo ator e diretor. Dentre esses tópicos todos, porém, Stella Adler julgava como sendo os mais importantes e necessários aqueles que abordavam a questão da imaginação, e é justamente sobre esse prisma que começa a se fundamentar a “Técnica Adler”.
É importantíssimo salientar que o “Método” abrange MUITO mais do que apenas o trabalho com a imaginação (abrange pormenorizadamente por exemplo, todo o trabalho físico, psicológico e emocional do ator), e que a imaginação é somente UM dentre os muitos tópicos. No entanto, como atriz e professora, Adler sempre acreditou que o trabalho com a imaginação era o que traria mais benefícios e resultados para os atores, e, para comprovar as teses da professora, dentre seus alunos figuram nomes premiados como Marlon Brando, Benicio Del Toro, Robert de Niro e muitos outros.
Partindo desse princípio, Stella dedicou sua vida à criação e aprimoramento de exercícios e práticas que desenvolvessem a imaginação do ator, e muito rapidamente seus exercícios atravessaram fronteiras chegando à vários países e escolas (inclusive ao Brasil) o que acabou por gerar também dois problemas sérios:
Muitas escolas e faculdades de artes cênicas adotam exercícios e jogos teatrais empregados e desenvolvidos por Stella, porém, por questões que esse artigo não visa discutir, omitem o nome da professora norte-americana (grande parte dos alunos brasileiros de teatro desconhece por completo o nome de Stella Adler) e ainda tentam ganhar crédito pelo desenvolvimento de tais exercícios (muitas vezes, aliás, mal empregados e utilizados).
Mas o problema mais sério, porém, é outro: os alunos passam anos e anos realizando jogos e exercícios teatrais e, no momento de encarar um papel ou preparar um projeto de peso, não sabem como utilizar os exercícios em benefício próprio. Por quatro anos, por exemplo, os alunos “andam imitando animais” ou brincam de “cabo de força imaginário” na faculdade, e agora, chegou o momento de interpretar Hamlet. Ok. Como o “cabo de força imaginário” pode ajudar o ator a preparar um dos papéis mais complexos já escritos na história do teatro? Geralmente o ator não sabe, e grande parte da responsabilidade é de seus professores, que provavelmente também não sabiam e consequentemente não explicaram a finalidade REAL daqueles exercícios, demonstrando DE FATO como eles poderiam e deveriam ser empregados em QUALQUER circunstância. Esse triste fato alegra somente os vulgo “preparadores de atores” que lucram cada vez mais com os largos contingentes de alunos de teatro que deixam as faculdades e conservatórios inseguros e despreparados e acabam recorrendo à eles para preparar testes ou projetos específicos.
Talvez essa seja a principal diferença entre a “corrente” de Stella Adler e as demais: a ciência e o embasamento com os quais cada exercício é abordado. Na técnica Adler, o aluno é atropelado por um verdadeiro mar de conhecimento e fica plenamente ciente da finalidade específica de cada exercício, sentindo-se então seguro para abordar qualquer projeto ou papel.
Tão interessantes e enriquecedoras quanto a abordagem de Stella são as técnicas e ferramentas desenvolvidas pelo mestre Sanford Meisner, chamado por muitos de “o segredo mais bem guardado do teatro americano”. Mas isso já é assunto para a próxima edição do Guia de Teatro. Até lá!
*Tiaraju Aronovich é cineasta, músico e ator especializado no “Método” formado pelo Califórnia Institute of the Arts, em Los Angeles. É professor do Actor Studio SP Brasil e parceiro oficial do Stella Adler Studio em New York.
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